Em entrevista por videoconferência a “Olhares do Mundo”, o general Carlos Alberto Santos Cruz, atualmente em Brasília, critica a falta de esforços das lideranças políticas locais e internacionais para por fim aos conflitos na República Democrática do Congo.
Por Ane Macedo, Bruna Pinheiro e Juliana Fernandes
O general Carlos Alberto Santos Cruz liderou as forças de paz da ONU na República Democrática do Congo por dois anos e meio, de junho de 2013 a dezembro de 2015, comandando um efetivo de 20 mil soldados. O general foi escolhido para a missão depois do sucesso na operação de paz do Haiti, que contou com tropas brasileiras. Quando Santos Cruz chegou ao Congo com uma brigada de intervenção, o país estava sendo ameaçado pelo grupo rebelde M-23, milícia guerrilheira que instaurou o terror no país africano com o apoio de Ruanda e Uganda. O general conta que, no último ano em que esteve lá, o M-23 matou cerca de 500 pessoas com facões e machados. Os corpos estavam decapitados ou mutilados. Vilarejos inteiros foram dizimados para o espólio de minérios e outros recursos naturais. A brigada de intervenção, comandada pelo brasileiro, conseguiu fazer com que os rebeldes recuassem, mas o país continua mergulhado em violência. Em entrevista a “Olhares do Mundo” por videoconferência, o general, que retornou a Brasília no final da operação contra o M-23, relatou o que vivenciou no Congo.
Por que esse conflito é tão sangrento, com os rebeldes massacrando a população indefesa?
É uma história muito longa de agressão e opressão civil. Os grupos armados vêm de uma herança onde os mais fortes podem fazer o que quiserem com os mais fracos, são o senhor da vida e da morte dos mais fracos. Assim foi na escravidão, assim foi no colonialismo e assim continua. Estupram mulheres, entram na casa e comem o que querem, pegam tudo, botam fogo na casa. Sequestram e levam as crianças para o grupo armado. Fazem uma distorção histórica de violência e impunidade. E, para o grupo dominar aquele ambiente, aquelas vilas que controla, impõe o terror. E o terror é para todo mundo. Então, as pessoas mais vulneráveis, mais fracas, sofrem muito. Por isso, as pessoas arrumam tudo, e fogem, vão para o campo de refugiados. Nele, há comida e existe uma segurança fornecida pelo Exército. Mas, para elas, é uma realidade muito triste, pois no campo de refugiados não existe nada que seja seu. Você tem uma barraca de palha; tudo o que você tem é a roupa do corpo, e a sua próxima refeição depende de quem vai te dar.
Há muitas críticas à comunidade internacional por falta de ajuda às populações vulneráveis. Como o senhor analisa a ajuda humanitária levada ao Congo?
Tem as agências de fundos de programas e as ONGs. A coordenação e a visibilidade são precárias, quase zero. Há algumas muito boas e outras não. A “Médicos sem Fronteiras” é uma das boas. A administração deles é extremamente boa. O dinheiro que recebem, gastam em torno de 10% com a própria administração. Então eles conseguem ser produtivos. Um outro problema é de investimento em infraestrutura. Eu ajudei muito as ONGs. Muitas têm pessoas muito novas que não sabem o que fazer, pois não têm experiência, mas querem ajudar. Todas as agências e ONGs, tinham que usar 30% de seu dinheiro em infraestrutura. Pois sem, não há acesso. Não adianta só ter boa vontade. Se construírem um poço de água perto da casa de uma mulher que anda 5 km com um galão de 20 litros de água na cabeça, já vai melhorar. Ela pode andar 2 km. Tem que investir até o problema ser resolvido, se não, não será reduzido nunca. E quem desvia verba tem que ser preso. A prestação de contas devia estar na internet para todo mundo ver.
Como é a vida dos moradores do Congo nas regiões que não estão enfrentando conflitos?
O Congo é um país que tem algumas cidades muito grandes. A capital, por exemplo, tem 10 milhões de habitantes. É uma cidade moderna, com tudo o que você imagina, com telefonia celular melhor que a nossa. E há algumas cidades grandes, como Goma, que tem de tudo, como restaurantes muito bons. Há muita gente com muito dinheiro, mas a grande massa da população é extremamente pobre. Parece que todo mundo tem uma criança. Todo mundo anda com um neném amarrado nas costas, carregando lenha na cabeça, galão de água… Estão sempre transportando alguma coisa, caminhando quilômetros e quilômetros. É uma vida muito sofrida. Na zona rural, nessas vilas onde existem grupos armados em volta, tem problema de água, de infraestrutura, não tem escola, não tem saúde, não tem nada.
Quais são os caminhos para a paz no Congo?
Isso é muito difícil. Em primeiro lugar, o que eu vejo internamente é que as disputas pelo poder são muito acirradas, complicadas, ela é mais importante que as pessoas. Outra coisa, na área internacional, [obter] ajuda internacional financeira é mais importante que [ajudar]as pessoas. Não só no Congo, isso tem que melhorar nos outros países também. As pessoas têm que ter mais motivações dos que os objetivos políticos. Por exemplo na Síria, onde os objetivos políticos eram tirar o Bashar Al Asaad; para isso, é preciso destruir o país? Matar 300 mil civis? Milhões de refugiados? Não tem saída. É sim um sofrimento humano, mas com o qual você não pode se acostumar. Tem que ser inconformado com aquilo que se vê todos os dias, para querer mudar.
Há previsão de eleições para o final de 2016. Seria o começo de uma solução para a paz?
No Congo, este ano, está prevista uma eleição para Presidência, mas ainda está indefinido se vai acontecer ou não. Está previsto na Constituição, mas, para fazer a eleição, tem uma distância. Nos últimos cinco anos, não houve cadastramento eleitoral. Então todo mundo que tem ou fez 18 anos nestes últimos cinco anos está fora das eleições porque não tem título de eleitor. Deixa-se de fora 5 milhões de pessoas. Isso vai gerar uma frustração. É onde está a energia, a força. Você olha as manifestações na rua, a quantidade de gente nova querendo participar do processo. Fazer eleição, mas não fazer o cadastramento num pais de 75 milhões de habitantes, que é a metade do Brasil em tamanho e que não tem estrada, não tem nada, é muito complicado. É tudo muito difícil. Então, a chance de ter violência no processo político é muito grande.
Qual é a sua opinião sobre o silêncio da imprensa internacional sobre a guerra no Congo? Há muitas coberturas na Síria e poucas sobre o massacre de congoleses.
Minha opinião sobre a imprensa é que ela é muito pobre nessa parte de cobertura internacional. Há um centro de influência do jornalismo. Por exemplo: “New York Times”, “Washington Post”, “Miami Herald”, na televisão,“CNN”. Na França, há o “Le Monde”. Na Inglaterra, a “BBC”. E o Brasil, infelizmente, fica muito afastado dessa cobertura internacional. Na África, só as grandes redes têm correspondentes. A cobertura jornalística da África é feita por veículos de comunicação dos EUA, da Europa e pela Al Jazeera (do Catar). A Europa (cobre) porquê tem 14 países na África que falam francês. No Brasil a mídia chamou atenção um pouco para o Congo porque eu fui para lá. Às vezes, morre oito ou dez em um atentado terrorista na Bélgica. Na França, Alemanha ou seja onde for, tem uma grande cobertura internacional. Lá 50 morrem em um dia ou mais e não sai em nenhum jornal. Ou seja, nossa imprensa é muito isolada dos acontecimentos internacionais. Ela compra alguns programas como o Big Brother, que tem 15 edições, 20, mas não faz cobertura internacional séria.
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